| |
100 do Clube de Regatas do Flamengo
O Bar Lamas, no Largo do Machado, zona sul
do Rio, que o progresso se encarregou de destruir para dar lugar ao metrô, foi o palco
das discussões mais palpitantes, daqui ou lá de fora, em qualquer época. Não importava
o tema. Mas para ser discussão de verdade, de repercussão e alcance intelectual e
político na vida da cidade e do País tinha que ter o aval e o testemunho daquelas mesas
de mármore freqüentadas por gente de todas as classes e todos os credos, gente do povo
que anos mais tarde seria a base da piramide da "Nação Rubro-negra.
Porque foi no saudoso Lamas do balcão de frutas e da
charutaria na entrada, do bilhar no fundo e das paredes com esculturas e espelhos de
cristal, que um grupo de 14 desportistas ainda sem clube e sem paixão começou a esboçar
a criação do Clube de Regatas do Flamengo. Era a resposta ao Club de Regatas Botafogo,
criado três anos antes, em 1892, com a compra da baleeira "Etincelle" para
correr as regatas na Baía de Guanabara.O Clube de Regatas do Flamengo foi fundado
oficialmente no dia 15 de novembro de 1895. Na verdade, a criação ocorreu no dia 17
daquele mês,mas houve um acerto que estipulou a data de 15 de novembro a fim de coincidir
com a Proclamação da República.A reunião histórica que criou o Clube de Regatas do
Flamengo foi no casarão do número 22 da Praia do Russel. Era conhecido simplesmente como
"22" ou, para os mais românticos, como a República do Amor e da Paz, para
evitar os comentários maledicentes das pessoas que consideravam o grupo de fundadores
como "namoradores" das jovens moçoilas que desfilavam com seus maiôs de
perninha pela orla da Praia do Flamengo.
O grupo de flamengos na primeira reunião tinha Domingos
Marques de Azevedo, José Agostinho Pereira da Cunha, Mário Spinola, José da Cunha
Menezes, Maurício Rodrigues Pereira, Napoleão Coelho de Oliveira, Nestor Barros,
Felisberto Cardoso Laport, José Maria Leitão da Cunha, Carlos Sardinha, Desdério
Guimarães, Francisco Lucci Goiás, Emídio José Barbosa e Jorge Leuzinger. Definido o
nome da nova agremiação de remo, foram escolhidas as cores azul e ouro para a bandeira,
com o emblema dos remos e da ancora em preto e vermelho do lado esquerdo, bem acima e ao
lado do mastro - convenhamos, uma combinação de cores das mais infelizes.
Se era um grupo de remo, tinha que haver um barco para
remar. E foi feita então uma "vaquinha" que conseguiu 400 mil réis para a
compra da baleeira "Pherusa", velha e desgastada, que precisou de mais 250 mil
réis para ficar de novo em condições de ser lançada ao mar. Mas a "Pherusa"
naufragou no primeiro passeio na Baía de Guanabara, e o que era festa por pouco não se
transformou em tragédia. Felizmente, todos os primeiros flamengos conseguiram se salvar
do mar bravio das imediações da Ponta do Caju.
O naufrágio não arrefeceu, porém, os animos daquele
grupo decidido a fundar o "Mais Querido" clube do Brasil. Refeitos do susto, os
flamengos centenários fizeram uma outra "vaquinha", contabilizaram outros 500
mil réis e compraram a baleeira "Scyra", esta sim um sucesso. A partir dela, o
Clube de Regatas do Flamengo inscreveu-se na "Union des Canotiers", espécie de
federação de remo da época para organizar as competições de regata na Baía de
Guanabara contra o Club de Regatas Botafogo.
Passados cem anos, nota-se por que ainda é tão acirrada
a rivalidade entre Flamengo e Botafogo tanto no futebol como no remo, no basquete ou na
natação, e quem sabe até num torneio de bola de gude, caso haja.Uma semana antes de o
Clube de Regatas (leia-se remo) do Flamengo completar 16 anos de fundação, surgiu o
futebol rubro-negro. Liderados por Alberto Borgerth, oito jogadores deixaram o Fluminense:
Othon Baena, Píndaro de Carvalho Rodrigues, Emmanuel Nery, Ernesto Amarante, Arnaldo de
Almeida - o Galo -, Orlando Matos, Gustavo de Carvalho e Lawrence Andrews. O desligamento,
considerado ideológico, ocorreu uma semana depois de o Fluminense conquistar o Campeonato
Carioca de 1911, na final contra o Paysandu.Para conseguir a entrada do futebolno Clube de
Regatas foi necessáriamuita habilidade de Alberto Borgerth. Como presente de Papai Noel,
a permissão foi dada pelos remadores na noite do Natal de 1911.
Começava uma nova era, e naquele ambiente de euforia era
preciso escolher as cores do time de futebol que acabara de surgir e que se tornaria o
mais popular do Brasil. Aqueles nove dissidentes do aristocrático Fluminense optaram pelo
vermelho, dos pássaros flamingos, para combinar com o preto já existente no emblema do
grupo de remo - os remos cruzados à frente da ancora, escudo centenário. Até então, os
rapazes do remo usavam o escudo rubro-negro à esquerda da bandeira azul e ouro, que
acabou abandonada porque alguém disse que suas cores não suportavam a força do sol e a
salinidade das águas da Baía de Guanabara.
Santo argumento: Santa mudança. E lá se foi o Clube de
Regatas do Flamengo, com seu time de futebol recém-formado, treinar no campo da Praia do
Russel em frente ao prédio da Rádio Globo. Ali começou a popularidade rubro-negra, e
ali foram dados os primeiros passos para a formação da "Nação Rubronegra" de
milhões de apaixonados pelo Brasil afora.Que jogador, vestido como manda o figurino com
chuteiras, meiões, calção e camisa, sairia andando pela rua para fazer o treinamento?
Os aristocráticos tricolores? O pessoal do Rio Cricket? Ou os do Paysandu Athletic? Não,
claro que não.Os do Flamengo, sim. Lá iam eles, comandados por Alberto Borgerth,
caminhando do casarão 22, a "República da Paz e do Amor", em direção à
Praça do Russel. A meninada podia tocá-los, conversar com eles, fazer brincadeiras
imitando com a boca o "tac-tac" dos cravos das chuteiras batendo no chão a cada
passo.Foi sob esse início de paixão que o Flamengo estreou no futebol a 3 de maio de
1912 goleando o Mangueira por 16 a 2, no Campo do América, na Rua Campos Sales.A camisa
era rubro-negra, claro, como ficara decidido ao ser permitido o futebol no grupo de remo.
Mas era uma camisa tão diferente que chamou a atenção do povo e se tornou o assunto
principal de todas as rodas de discussão da boemia carioca. A camisa tinha quadrados
enormes nas cores vermelha e preta e, por ser considerada pelos aristocratas" de
plantão da época uma espécie de "colcha de retalhos", acabou batizada de
"Papagaio de Vintém" - brincadeira do século passado para apontar a gente do
povo.Mais um ponto a favor da consolidação da popularidade do Flamengo.
O primeiro título carioca data de 1914. Daí em diante,
até 1991, o Clube de Regatas do Flamengo conquistou 23 titulos regionais.O Flamengo
possui também o maior número de Taças Guanabara, um troféu criado na década de 60 em
homenagem ao Estado da União recém-criado com a transferência da capital para
Brasília. São 12 títulos.
O Flamengo é ainda o clube que mais vezes ganhou o
Campeonato Brasileiro - cinco, em 1980,1982, 1983, 1987 e 1992, e o único carioca
campeão da Taça Libertadores (1981) e Mundial (1981).
Passaram pelo Flamengo alguns dos maiores craques do
futebol brasileiro de todos os tempos. Domingos da Guia, Leônidas, Zizinho, Pirilo,
Valdo, Vevé, do primeiro tricampeonato em 1942, 1943 e 1944. Evaristo, Dequinha e Dida do
segundo tri em 1953, 1954 e 1955. Zico, Júnior, Adílio e Leandro, do terceiro tri em
1978, 1979 (carioca) e 1979 (estadual). Foi nessa última geração, comandada por Zico, o
maior artilheiro da história do Flamengo em todos os tempos, que o "Mais
Querido" consolidou sua supremacia e ganhou as manchetes dos jornais do mundo inteiro
ao vencer, no espaço de quatro anos, três Campeonatos Brasileiros, a Libertadores da
América e o Mundial Interclubes, entre 1980 e 1983.O Flamengo ainda detém a supremacia
no remo carioca, e basta dizer que a partir de 1962, quando assumiu o técnico Buck, foram
29 títulos cariocas e 16 no Troféu Brasil.
No basquete, entrou para a história o time decacampeão
carioca de 1951 a 1960 comandado por Algodão. O time que começou a conquista histórica
tinha ainda Zé Mário, Godinho, Mário Hermes, Alfredo da Mota, Tião Mendes, Dobinha,
Edson eMiltinho. No time de 1960, que encerrou o decênio de titulos estavam Algodão,
Fernando Barone, Mical, Waldir Bocardc Zeca, Félix, Mascarenhas, Sérgo, Dudu e Acácio.
O técnico, verdadeiro comandante e exemplo de rubro-negro, sem exagero o"pai"
do basquete brasileiro, era Togo Renan Soares, o Kanela.E não há como esquecer que fez a
natação do Flamengo nos últimos 18 anos - sob ocomando do formidável Daltely
Guimarães. O Flamengo foi 17 vezes campeão carioca e 1 vezes vencedor do Troféu Brasil
Um período que revelou fenômenos como Ricardo Prado, Cristiano Michelena, Rômulo
Arantes Jr., Emanuel Nascimento Paula e Patrícia Amorim, e, neste momento, André
Teixeira, elite da atual natação brasileira, terceiro lugar nos 200m golfinho do Pan-
Americano e terceiro no revezamento 4xl00 nado livre no Campeonato Mundial.Este é o
Flamengo que comemora neste ano seu primeiro. centenário. Tem a maior torcida do mundo,
milhões de apaixonados que compõem a "Nação Rubro-negra". Tem a honra de
comemorar os primeiros cem anos de vida no ano em que. devolveu ao Rio de Janeiro a
alegria do futebol, uma alegria capa. de levar ao Fla-Flu decisivo doCampeonato Carioca
mais de 120 mil torcedores e proporcionar renda de um milhão setecentos mil dólares no
Maracanã.
|
|